Estamos vivendo o processo eleitoral e eu ainda não me pronunciei fazendo uma reflexão sobre o pleito e nem sobre os candidatos que disputam a porção de vagas disponíveis para o eleitor escolher neste ano. Venho observando o desenrolar do processo com um olhar um pouco diferente, buscando uma análise mais acurada das propostas e dos discursos pronunciados. Estou propondo este ensaio como forma de colocar em reflexão muito o que tenho lido e refletido sobre o sistema político brasileiro, de forma pessoal, livre e opinativa.
As eleições deste ano, tem uma característica muito peculiar. Elas estão mais polarizadas do que nunca! As principais forças políticas se uniram entre aquelas que querem manter o governo ou derrubar o governo. Sendo assim, ela não é uma polarização ideológica (mesmo que ela exista no plano de fundo), mas uma polarização entre forças políticas. Desta conjuntura, pode-se tirar dois saldos. Um positivo, de ordem organizativa e politizador do debate (pelo menos a tentativa dele). Outro de ordem negativa, que desagrega forças sociais importantes, gerando a esfacelação dos grupos políticos minoritários de esquerda e a reação desesperada da direita.
O de ordem organizativa que pode estar atrelado a esse processo está justamente na organização das forças sociais em torno de um debate de projeto de nação. Diversos partidos se aliaram com a bancada governista para aproveitar o bom momento que o país está vivendo e pegar carona no fenômeno Lula. Isso fez com que os partidos da base aliada se unissem para construir um programa comum, realizando uma coligação ampla que amarrou um projeto para além do dia 3 de outubro, diga-se, configurou o governo de coalização que gerirá o país pelos próximos quatro anos. Este fenômeno nunca aconteceu tão concretamente. O PMDB (maior partido do Brasil, em termos de ocupação dos espaços de poder, e fiel da balança do nosso presidencialismo de coalização) nunca largou o primeiro turno atrelado a um projeto eleitoral prévio. Sempre esperava que as forças políticas fossem testadas em primeiro turno para daí sim, o PMDB, aliar-se a qualquer um dos lados polarizados para o segundo turno. Muitos críticos ao PMDB percebem isso como um fator negativo ao partido e que o deixa sem força ideológica e propositiva, porque, geralmente, a aliança sempre seria apontada ao lado com mais chances de sucesso no segundo turno.
Eu vejo com muito bons olhos esta coligação para a disputa eleitoral, pois assim, a discussão de projeto está sendo feita previamente dentre aqueles que comporão o governo, e não em torno de uma plataforma que será negociada a posteriori no legislativo. Parte-se do pressuposto de que há um projeto de nação em disputa pelas forças coligadas e que estas se manterão unidas para implementá-lo depois do pleito. Isso, para mim, garante uma segurança política que não foi possível até o momento na recente democracia brasileira pós-1988.
Mas e qual seria o outro lado da moeda nesse processo? Ao mesmo tempo que o debate passa a ser mais concentrado e politizado, os discursos minoritários acabam sendo massacrados, tanto internamente aos partidos de esquerda que compõem a coligação, quanto externamente através da negação dos discursos dissonantes a hegemonia da continuidade. A coligação ampla, reproduzida também nos estados da federação, está fazendo com que os discursos minoritários, principalmente da esquerda do PT, sejam suprimidos. Os candidatos que representam este discurso, terão que fazer muito mais votos nesta eleição que na eleição passada, por estarem numa chapa de “puxadores de voto”, diga-se grandes detentores do poder econômico que estão no PMDB e no PDT, e que serão os primeiros da lista. O meu candidato a deputado estadual no Paraná, o candidato Tadeu Veneri (13131) por exemplo, elegeu-se na eleição passada com 28 mil votos. Neste ano, temos que ter a expectativa de fazer pelo menos 50 mil votos para termos alguma chance de ocupar novamente a mesma cadeira na assembleia legislativa. Ou seja, praticamente o dobro de votos.
A mesma coisa acontece com a chapa a candidatos federais. Na eleição passada, o último candidato a deputado federal pelo PT, elegeu-se no Paraná com 65 mil votos. O meu candidato a deputado federal pelo Paraná, o Prof. Paixão (1350) por exemplo, precisará fazer pelo menos 110 mil votos para estar no páreo para eleger-se.
O Tadeu e o Paixão são dois de centenas de candidatos por todo o Brasil, que representam um setor minoritário dentro do PT, dispersos em tantas diversas correntes internas do partido, e que divergem da estratégia do pragmatismo eleitoral acima da defesa de suas bandeiras históricas. Historicamente, por contar muito com a força da militância e pouco com recursos econômicos, estas candidaturas têm um traço muito forte da paixão pelo ideal e a política, e pouco pela estrutura econômica que elege boa parte dos candidatos no Brasil. É uma concorrência desleal estar concorrendo com o dono de uma das maiores faculdades do Paraná, por exemplo, pela mesma fatia dos votos. Isso trás o risco de que estas vozes minoritárias fiquem sem representação e que a hegemonização do pragmatismo econômico no plano eleitoral suplante a voz da esperança política que estes setores representam. Daí a importância também de uma reforma política que garanta o financiamento público de campanha e que coíba o abuso do poder econômico.
Olhando para fora do chapão que apoia a minha candidata a presidência da república Dilma (13) presidenta, fica fácil de justificar porque, mesmo alertando sobre o processo do parágrafo anterior, continuo votando pela continuidade do processo político em marcha. Em oposição ao chapão da continuidade, está o chapão vende pátria. Daqueles que não tem nem coragem de assumir suas posições ideológicas e que soltam palavras aleatórias e factoides apoiados pela mídia golpista para tentar confundir a cabeça do eleitor. Este outro chapão está cristalizado na figura de José Serra, que já se debateu de todas as formas para tentar se erguer nas pesquisas. Desde que começou a campanha, o coitado só caiu. Foi de filho de pobre a eficiente gestor, de vítima de perseguição política a defensor incondicional da democracia. Teve até um vídeo do pobre coitado que ele repetia a palavra democracia por umas 30 vezes, sem exageros. Qualquer cientista político que se utilize do ferramental da análise de discurso para pensar o comportamento político de Serra, poderia ser atacado por um mal súbito de esquizofrenia ao tentar encontrar lógica entre o discurso e prática deste infeliz. Pra ilustrar isso, basta lembrarmos de um fato. Quem foi que desceu a borracha nos estudantes da USP que reivindicavam o mínimo ato democrático, que era a indicação do reitor na cabeça da lista tríplice formada pelas eleições internas naquela Universidade? Ele, o Governador José Serra, achava que era mais democrático indicar o candidato mais simpático a sua política de governo. Só faltava José Serra ir a televisão e dizer que “a minha democracia é mais bonita”. Sem falar dos 16 anos de governo do PSDB em São Paulo. A regra só vale pro governo federal?
O PV de Marina Silva também é um caso a parte para as análises destas eleições. É muito interessante perceber a estagnação da candidata que gira em torno dos mesmos 9% desde que começaram as pesquisas. Talvez o discurso de Marina seja tão água com açúcar, que não consegue tirar um votinho se quer dos dois candidatos a frente nas pesquisas. Da mesma maneira não apresenta projeto alternativo para o país. Pra mim, o PV só está no pleito como uma estratégia dos setores da direita para pulverizar votos e levar o pleito para o segundo turno. Se por acaso der segundo turno, adivinha com quem a histórica militante do PT, filha de seringueiros, vai se aliar? Aos setores da direita. Acho que a própria Marina está torcendo para Dilma ganhar no primeiro turno. Caso contrário, vai ficar feio pra ela. Pra comprovar esta tese, não precisar ir muito longe. A chapa de Fernando Gabeira (PV-RJ) a governador do Rio de Janeiro apoia José Serra pra presidente e César Maia senador. Eita balaio de gato.
Se existe um discurso que se mantém coerente, mas que infelizmente tem pouco efeito prático na transformação do cenário político atual, é o pessoal à esquerda do chapão da continuidade. O PSOL, PCO e PSTU formam a frente que mete o pau tanto na direita quanto na esquerda e que defendem a radicalização das suas bandeiras e a instauração de um governo “verdadeiramente dos trabalhadores” no Brasil. Desconstruir esse discurso obviamente é muito mais difícil que o da direita conservadora.
Com o governo Lula, o Brasil começou a experimentar sua “revolução democrático burguesa” no sentido leninista mais puro do termo. Isto significa que ao mesmo tempo que o capitalismo encontrou campo fértil para se desenvolver, as instituições políticas do Estado foram fortalecidas. O grande respeito que o presidente Lula tem, e faz questão de reafirmar, às instituições brasileiras, é um componente de seu discurso que reafirma o momento político que o país vive.
Talvez por isso os setores “mais a esquerda” sintam-se traídos por Lula, pois, segundo eles, este não fez um governo para os trabalhadores. Eu discordo veementemente desta afirmação. Lula pode não ter feito um governo do proletariado, mas que fez um governo para os trabalhadores isso não se pode negar. O que mais iria querer um sindicalista se não criar 14 milhões de empregos, aumentar o ganho real da renda dos trabalhadores e tirar mais de 20 milhões da miséria? Fez isso, garantindo o maior crescimento econômicos dos últimos 20 anos. Lula garantiu a revolução democrático burguesa no Brasil, em contraposição a apropriação privada dos recursos públicos e a submissão internacional apregoada pelos teóricos da dependência da era FHC.
Como consolo para esta esquerda, só mesmo citando as palavras do próprio Lênin, quando discutia a passagem da derrubada do czarismo na Rússia. Neste momento as diversas forças políticas lutavam para disputar a hegemonia na construção do novo Estado russo. Na ocasião, Lênin reconhecia que a revolução democrática burguesa era necessária para a passagem da Rússia para um governo do proletariado. A acentuação das contradições das forças sociais no processo de consolidação da revolução democrático burguesa, despertaria as condições políticas e materiais necessárias para superação capitalista num segundo momento. Lênin reconhece isso, sem contudo, tomar pra si os argumentos dos mencheviques que diziam que, dessa forma, não cabia a classe proletária disputar a revolução democrático burguesa porque aquela não era uma revolução do proletariado. Lênin, pelo contrário, vê como fundamental que o proletariado busque estabelecer uma hegemonia proletária dentro dos aparatos super estruturais, como forma de disputar os rumos da revolução democrático burguesa, e formar a classe trabalhadora para o governo proletariado. Chegaria um momento em que as contradições das forças sociais se tornariam tamanhas a ponto de que a formação de um Estado socialista seria o único caminho possível.
Talvez as lideranças do PT nacional não tenham consciência desse processo, ou que isso seja uma estratégia para se chegar a construção de um Estado socialista. Nem assumo que este caminho possível é o único e, tampouco, o caminho válido, “correto” ou “inevitável”. Agora é preciso perceber que, se o discurso dos candidatos “mais a esquerda” juntos não conseguem reunir nem 1% das intenções de voto, é porque existe uma situação conjuntural muito específica nesse momento histórico do Brasil. E isso não é culpa de um governo traidor como os setores “mais a esquerda” costumam pintar. Se dar condições de bem estar jamais vistas a um povo é trair este povo, temos que rever qual o objetivo em disputar o aparelho do Estado. Como o velho Marx já dizia, o Estado por natureza é um aparato para manter a ordem social capitalista. A revolução, com certeza não virá com a disputa deste. Se existe um governo com visão dos trabalhadores e que cria condições materiais para melhorar as condições sociais de toda uma nação, como foi o caso dos oito anos do governo Lula e agora com a proposta de continuidade no governo Dilma, a contradição deste processo é que semeia o germe transformador.
Para encerrar, não posso deixar de chamar a atenção para as recorrentes aberrações que surgem de quatro em quatro anos no cenário de disputa política e que ao invés de politizar, despolitizam o debate em torno das eleições. Além do mais comentado, Tiririca (PR-SP), no Rio de Janeiro ainda tem uma dupla muito interessante que é a Bebeto e Romário (O primeiro candidato pelo PDT e o segundo pelo PSB, candidatos pelo Rio de Janeiro). Existe uma indignação para com estes casos, principalmente por parte daqueles engajados no debate político. Quem vota nestes candidatos geralmente são tidos como votos de protesto ou sem seriedade. Eu acredito que este poderia ser um estudo futuro para as ciências políticas a observação deste fenômeno com um pouco mais de cuidado, pois não acredito que a expectativa de um milhão de votos para Tiririca seja simplesmente para protestar contra o sistema de político. Talvez uma parte ainda possa ser reconhecida neste fenômeno, mas acredito que uma parte destes votos sejam manifestados por haver uma identificação do eleitor com aqueles candidatos. Para lembrar Robert Michels, e seu estudo sobre a sociologia dos partidos políticos, os liderados tem uma relação de admiração para com seus líderes. Porque as pessoas não poderiam votar nestes candidatos simplesmente por admiração ou identificação? Se isto é possível, o estudo do porquê estes personagens se tornam celebridades admiráveis é o principal problema de pesquisa, que teria sua explicação mais adequada na sociologia do que na ciência política (talvez nas discussão sobre a formação das raízes do Brasil e da própria atividade política brasileira. Outra explicação pode ser buscada na estrutura do sistema de comunicação brasileiro e na espetacularização da vida que as grandes emissores insistem em reproduzir). À política, caberia entender porque estas celebridades se transformam em celebridades políticas não entendendo nada sobre política, como admite o próprio Tiririca em seu programa de televisão. Dizem as más línguas de que isso poderia ser uma estratégia dos próprios partidecos buscar os “rabos de pipa” fora da classe política.
O pensamento político brasileiro ainda tem que amadurecer muito, contudo, não adianta botar a culpa nos políticos, no sistema, no outro sem refletir nós mesmos. Só o exercício da política transforma a política.
Marco Antônio Konopacki é mestrando em ciência política pela UFPR. Leia mais sobre mim.