Por Glyn Moody, publicado no blog Open Enterprise
Traduzido por Pedro A. D. Rezende. Tradução original disponível aqui.
É notória essa tendencia recente. Grupos de hackers estão botando as mãos em coisas que até então estavam trancadas, e disponibilizando-as livremente online, para grande embaraço e aborrecimento daqueles envolvidos.
Exemplos bem conhecidos incluem Wikileaks, Anonymous e LulzSec, aos quais podemos acrescentar mais um nome. Surge agora Greg Maxwell, que, provocado pela saga de Aaron Swartz, (sobre a qual o autor antes havia escrito), acaba de disponibilizar por conta própria um grande coleção de arquivos:
Tal coleção, de 33 GB, contém 18.592 publicações científicas, todas da Philosophical Transactions of the Royal Society, que deveriam estar disponíveis sem custo para qualquer um, mas que na sua maioria só estavam disponíveis a um alto custo, através de intermediadores virtuais como a JSTOR.
Acesso limitado a tais documentos é tipicamente vendido a US$ 19 por artigo, embora para alguns mais antigos o acesso possa ser obtido por US$ 8. Comprar acesso a esta coleção de artigos assim, um por um, poderia custar centenas de milhares de dólares.
A forma escolhida por Maxwell para disponibilizar essa coleção, que está em domínio público, é particularmente interessante porque ela vem com uma explicação muito bem articulada a respeito de porque está sendo feita.
Grandes editoras são atualmente capazes de comprar influência política necessária para abusarem do estrito escopo de proteção comercial do direito autoral, extendendo-o para áreas completamente inaplicáveis: luxuosas reproduções de documentos históricos e de obras artísticas, e exploração não paga do trabalho de cientistas, por exemplo.
Com tal influência essas editoras são até capazes de fazer com que seus ataques à sociedade livre acabem sendo pagos pelos contribuintes, ao buscarem a via da persecução criminal (tradicionalmente o direito autoral é matéria cível) e onerando assim instituições públicas, inclusive com tarifas exorbitantes por assinaturas de seus serviços.
O direito autoral é uma ficção legal que representa um estreito acordo de concessões: renunciamos ao nosso direito natural de intercambiar informações, em troca da criação de um incentivo econômico temporário para autores, para que todos possam ao final desfrutar de mais obras. Mas quando editores abusam do sistema para alavancar sua existência, quando deturpam o alcance e a cobertura dos direitos autorais, quando ameaçam a torto e a direito com ações judiciais frívolas para reprimir a disseminação de obras que estão em domínio público, são eles que estão roubando de todos nós.
Existem dois pontos importantes aqui. Primeiro, Maxwell destaca a influência política que está propiciando abusos do sistema de direito autoral. Mesmo que esse sistema tenha sido algum dia justo e razoável, certamente hoje ele não é mais, porque grandes interesses corporativos o perverteram. Nesse percurso, os extremistas do direito autoral (que se autodenominam “maximalistas”) vêm cooptando governos para atacarem cidadãos comuns por compartilharem coisas, com enormes danos a liberdades básicas.
É por causa da crescente onda de radicalização do direito autoral, com legislações cada vez mais severas e desequilibradas, tais como o ACTA, HADOPI, the Digital Economy Act (na Grã Bretanha), La Ley Sinde (na Espanha) PROTECT IP (nos EUA) e outros, que hackers estão ficando com raiva. Não é só porque essas leis são em si injustas e desequilibradas, mas pela maneira como elas vem sendo impostas.
Geralmente essas legislações são costuradas em encontros secretos entre políticos de cargos importantes e representantes de poderosas indústrias. Depois as propostas são novamente discutidas em outros encontros secretos, onde os grupos da sociedade civil — os mais afetados por esses esquemas — nunca são convidados. Para adicionar insulto à injúria, ao cidadão não é permitido conhecer o resultado desses esquemas antes que estejam finalizados e implementados.
Em face dessa prepotência e comportamento insultante é que hackers estão agora começando a reagir, obtendo material que essas forças poderosas não querem que pessoas comuns vejam — frequentemente documentos que expõem seu jogo sujo de tráfego de influências. O que esses poderosos não entendem é que ao tentarem coibir desta forma uma ampla gama de comportamentos, radicalizando e abusando das leis autorais — por exemplo, extraditando Richard O’Dwyer por manter um site que contém links para cópias não autorizadas de material alheio — simplesmente atiçam mais lenha na fogueira, levando a mais reações.
A divulgação por Greg Maxwell de material que está em domínio público mas que não estava livremente disponível é sinal recente disso; uma reação às ações persecutórias desproporcionais dirigidas contra Aaron Swartz. O que é notável, neste caso, não é tanto que a reação de hackers tenha ocorrido — isto era até previsível — , mas que tenha levado apenas dois dias para se manifestar.
Contra esse pano de fundo, de planos para ampla censura na web, de “resposta graduada” (em que provedores de acesso são forçados a agir como polícia e juiz de copyright), de multas altíssimas por compartilhamento de arquivos (mesmo na ausência de evidências de ganho ou de prejuízo financeiro em consequência), e de ameaças de extradição (mesmo quando o ato causador não é delito onde praticado) prevemos mais reações de hackers frustrados com o contínuo e crescente abuso de sistemas legais, econômicos e políticos por parte de uns poucos grupos poderosos — particularmente na esfera midiática — visando apenas seus próprios interesses.
Segundo, quanto ao porquê dos que assim reagem serem na maioria hackers, a razão é simples. Além de estarem bem posicionados para entender as profundas implicações da transição de uma economia fechada, baseada na escassez de recursos analógicos, para uma aberta, baseada na abundância de recursos digitais, eles formam um dos poucos grupos com habilidade e meios necessários para canalizar esses recursos de forma a reagir contra esses abusos.