Potosí, 19 de julho de 2006.

Finalmente chegamos a capital da prata. Depois de uma exaustiva viagem num ônibus apertadíssimo. Meu sentimento é de estar no berço da civilízação americana como ela se constituí modernamente. Não é um sentimento de orgulho por isso, pelo contrário, ésta que já foi a maior cidade do mundo, hoje respira a poeira da exploração e da miséria.

Mas ainda há pouco por falar de Potosí. Chegamos hoje de madrugada e só demos uma volta a pé pelo centro da cidade. De ontem sim tenho que falar muito.

Visitamos o salar do Uyuni, o maior salar da terra. Ele foi formado junto com a cordilheira dos Andes, na qual uma lagoa marítima se formou no altiplano que depois de anos evaporou e só deixou somente o deserto de sal, admirado por muitos.

Saímos por volta das 11h e conhecemos as principais atrações, guiados por um funcionário de uma agência turísitica que contratamos. Aliás, esse é minha única queixa desse dia. Devido a nossa limitação de tempo, tínhamos que programar muito bem nosso dia e isso não nos permitiu descobrir um meio alternativo para conhecer o salar.

Mas enfim, neste dia tive um contato com a natureza diferenet de tudo que já senti antes. Nunca havi estado em um deserto, e isso me fez perceber um sentimento do nado contido em tudo. O deserto possuí um bioma muito reduzido se comparado com a floresta amazônica, por exemplo. Contudo, estes dois ambientes coexistem, se equilibram e se regulam. Por isso, acho extremamente arrogante por parte do ser humano querer impor através de seu conhecimento científico hegemônico o controle destes biomas como forma de melhorar a vida na Terra.

A vida só existe na relação harmônica dos seres com a mãe Terra. Não quero dessa forma dizer que a sociedade ocidental está na contra mão da história. Aliás, esta é uma das perguntas que me faço quando penso no desenvolvimento de uma país tão pobre como a Bolívia. A população boliviana, ao mesmo tempo que é pobre (recursos econômicos), também mantém uma relação com a Terra muito forte, tirando dela todo o sustento para suas bocas. Como seria o desenvolvimento deste país, sem perder esta raíz tão forte para o povo originário daqui? Não quero descobrir essa resposta agora. Apenas quero contemplar na memória o que foi meu contato com a natureza na imensidão do deserto de sal.

CONTINUAÇÃO, AINDA NO MESMO DIA

Resolvi não esperar até amanhã para escrever estas palavras.

Nossa tarde em Potosí foi muito especial. Visitamos o museu “Santa Tereza” da ordem das freiras carmelitas enclausuradas. Este museu até há alguns anos atrás era um convento de freiras que faziam voto de clausura, ou seja, que não tinham nenhum contato com o mundo exterior. Ele foi criado em 1642 pela Madre Santa Tereza de Lima e era habitado sob regime rídigo de clausura até 1967. Lá, a segunda filha dos nobres era posta aos seus 15 anos, condicionado ao pagamento de um dote de 2000 moedas de ouro (mais ou menos 100.000 doláres hoje). Ao entrarem, nunca mais tinham contato com o mundo exterior.

Algumas madres tinham o privilégio de falar com pessoas de fora, mas essa ferramenta era utilizada tão somente para comercializar seus dices e produtos artesanais com o mundo de fora. Isso era feito através de uma câmara giratória, onde o interessado punha o dinheiro e a madre girava para recolhê-lo e por o produto de interesse.

O que mais me chamou a atenção, no entanto, foram as artes sacras expostas pelas salas do convento. A maioria delas feitas por indígenas anônimos. Estes, colocavam toda sua carga étnica no desenvolvimento de suas obras. Percebe-se, por exemplo, ao se retratar Jesus Cristo, que ele é desenhado com a mesma forma de sofrimento que os povos originários desta terra tiveram com a chegada dos espanhóis. Também achei muito interessante que no desenho de algumas coroas, há a influência de veneração ao Sol, a Lua e a Terra. Consequência também da influência indígena.

Ao final da visita ainda tivemos uma entrevista magnifícia com a curadora do museu que nos falou muito sobre Potosí e que chegou a me emocionar quando falava sobre o trabalho degradante nas minas da cidade.

Disso tudo, a única coisa que me deixou triste, foi Guti não poder ter ido. Ele ficou de cama hoje com um pouco de dor de cabeça. Felizmente, até o momento da transcrição deste diário ele já está melhor e amanhã visitaremos as minas do cierro rico.

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