Copacabana, 22 de julho de 2006.

Tenho uma coleçao de sentimentos e nao sei como começar. Acabo de acordar, sem altos desejos por realizar. Por enquanto, estou sendo apenas um cidadao do mundo e a ele quero estar integrado da mesma forma que um peixe no lago, que um cachorro no mato, que uma ave nos céus.

Há dois dias fomos visitar as minas de Potosí. Ao subirmos aos 4350m acima do nível do mar, nossa respiraçao já nao era a mesma, da mesma forma que o cierro de prata nao era. Desde a chegada dos espanhóis, ele se reduziu de 5200m para 4800m, culpa da exploraçao de prata e outros minerais.
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Renán, nosso guia pela visita às minas, nos explicou toda a história da exploraçao mineral, assim como Eduardo Galeano conta em seu livro “As Veias Abertas da América Latina”. Nos tempos modernos a exploraçao do trabalhador nao é diferente. Hoje eles se constituem em sua maioria em cooperativas. O que nao se conta, é que os próprios cooperados sao responsáveis pela exploraçao daqueles que nao tiveram a mesma sorte em associar-se a uma das cooperativas. Os explorados, ao contrário dos cooperados, nao possuem seguro de acidentes de trabalho, a saúde pública, tampouco a qualquer direito trabalhista. Estes explorados, também nao sao selecionados conforme sua condiçao. Contanto que nao sejam mulheres, pode-se começar a trabalhar desde os seus 10 anos de idade.

Para que serve a cooperativa entao? Talvez para criar a ilusao na cabeça dos trabalhadores que eles podem morrer por aquilo que é deles. Mas o que ninguem comenta, é que ao ingressarem na mina eles já estao mortos: a curto prazo, pelo derrumbe de paredes sobre seus corpos. A longo prazo (nao tao longo diga-se de passagem), em média 30 anos, por efizema pulmonar pela concentraçao do pó de chumbo em seus alvéolos pulmonares.

Nós descemos até muito embaixo da mina e comprovamos. Minha respiraçao tornou-se mais pesada e se eu fosse claustrofóbico, com certeza teria tido um ataque de desespero por estar naquela escuridao com tao pouco ar, com tao pouco espaço. Para suportar essa situaçao, somente com a boca cheia de folhas de coca.

Descemos muitos metros abaixo da montanha e lá, Renán nos apresentou ao “Tios” que é o Deus protetor dos mineiros. Este santo foi criado para amedrontar os indígenas na época colonial e fazê-los trabalhar sem titubear, quando tinham que passar 6 meses inteiros sobre aquelas condiçoes desumanas. Hoje o Tio nao amedronta ninguém, pelo contrário, server como protetor e garante uma boa extraçao de minerais aos trabalhadores.

Nesta caminhada, continuo me surpreendendo o quao próximas estao os cultos católicos dos cultos dos povos originários. Aliás, ontem tive uma experiência tao emocionante que com certeza demorarei um pouco a entendê-la.

No meio da tarde, resolvemos subir o morro que dá de frente para ilha do sol para apreciarmos a vista. No meio da caminhada, tive como se fosse uma mensagem em minha cabeça dizendo que eu deveria tirar os sapatos. O fiz, mesmo quando os companheiros me disseram que eu estava louco.

A subida foi árdua, e quando chegamos na metade do caminho encontramos um caminho de pedra com cruzes ao lado representando o calvário de Cristo. Concluímos a subida e ao chegarmos lá em cima, um grupo de locais estava tendo o maior trabalho em carregar um pedra enorme. Ao nos pedirem ajuda, prontamente atendemos e num esquema de revesamento para carregar aquela pedra de pelo menos 500kg, colocamos ela atrás do Cristo Redentor que lá estava.

Nao entendíamos muito bem a funçao de todo aquele trabalho e ficamos curiosos olhando enquanto eles trabalhavam. Afastei-me um pouco para apreciar a paisagem e quando voltei, Guti tinha a reposta. Eles estavam construíndo um altar para Maurício, figura representada por uma estátua de um sapo, animal sagrado para os aymaras.

Ao concluirem os trabalhos, Guti e eu fomos surpreendidos ao sermos convidados para sermos padrinhos de Maurício. A nós, coube a tarefa de decorá-lo com fitas coloridas e confetes. Ao final, jogamos uma rajada de cerveja sobre ele para celebrá-lo. Também recebemos uma chuva de confetes sobre nossas cabeças como gratidao pelo feito.

Enquanto ainda estava bobo por estar participando daquilo e sentindo uma energia que poucas vezes sentira, fomos convidados a participar de uma roda de charla com todos que ajudaram a conceber Maurício. Tomamos cerveja e mascamos muita folha de coca. A mesma que ajuda os trabalhadores mineiros a suportarem suas condiçoes desumanas de trabalho, aqui foi usada como forma de celebraçao e expansao de nossa consciência.

Enquanto mascávamos a folha de coca, desenvolvia-se um assunto que nos deixou  muito apreensivos. A prefeitura da cidade quer retirá-los dali e exigir que os cultos sejam feitos em outras montanhas que nao fossem visitadas pelos turistas. Ou seja, o fator econômico sobrepujando os valores culturais milenares.

Terminei esse dia com muitas reflexoes em minha cabeça. Hoje visitaremos as pessoas que conhecemos ontem. Acredito que uma parte de nosso documentário poderá ser desenvolvido com eles.

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