A descoberta da cidadania

Por muitos anos, o sonho de ter uma ligação elétrica era parte do cotidiano de muitas famílias espalhadas por todo esse Brasil. Toda a riqueza que o país produzia não era igualmente distribuída, de forma a levar o mesmo bem-estar que parece ser tão banal para nós, moradores da cidade, a pessoas que estavam isoladas nos mais distantes rincões brasileiros.
Aí veio um novo governo, que buscou realizar uma inversão completa nos valores que orientavam o Estado de forma a incluir aqueles que sempre foram historicamente excluídos. O Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica – Luz para Todos, lançado em 2004 pelo Governo Federal, tem o objetivo de levar a energia elétrica para população rural que até o momento não teve esse benfício da sociedade moderna. Conforme explica a própria definição do programa, encontrada no site do Ministério de Minas e Energia, “as famílias sem acesso à energia estão majoritariamente nas localidades de menor Índice de Desenvolvimento Humano e nas faixas de baixa renda. Cerca de 90% destas famílias têm renda inferior a três salários-mínimos e 80% estão no meio rural”. A ligação da luz elétrica é gratuíta e pretende ser o vetor de desenvolvimento destas comunidades, que literalmente pararam no tempo.

Uma das beneficiadas foi a comunidade quilombola de João Surá (Adrianópolis-PR), que tem mais de 200 anos de fundação e que só agora, em 2005, teve acesso a energia elétrica. Um paradoxo para um país que está entre as 10 maiores economias do mundo. Apenas um fator explica este fenômeno, a falta de vontade política daqueles que sempre beneficiaram os poderosos e que não perceberam ainda que o Brasil é um país de todos. O quilombo de João Surá agora possuí luz elétrica e como forma de estender os benefícios que esse bem traz para a sociedade, a responsável pelas ligações elétricas no sul do país – ELETROSUL – dôou um pequeno laboratório de informática composto por cinco computadores à associação de moradores de João Surá.
A mesma ELETROSUL é responsável pelo edital de patrocínio a projetos culturais em que o coletivo Soylocoporti, do qual também faço parte, foi selecionado para implementar o primeiro projeto de inclusão digital nesta comunidade. Nossa missão era levar conexão de internet e treinar os primeiros beneficiados para utilização da única ferramenta de comunicação pública disponível no quilombo (mesmo que a lei das comunicações exija a instalação de um telefone público para comunidades com mais de 140 habitantes, essa nunca foi uma realidade nessa comunidade de 200 habitantes, que fez até festa para receber o primeiro aparelho prometido pelas autoridades locais, mas que nunca veio e, até onde se tem notícia, nunca virá).
Neste momento, a comunidade conta com acesso à internet* desde o dia 15 de agosto e a primeira turma iniciará o curso de quatro aulas sobre noções básicas de como operar a internet e ter acesso a informações que até ontem lhes eram cerceadas. Nas aulas, além de ensinarmos a parte técnica, trabalharemos com discussões que ajudarão os companheiros da comunidade a criarem seus próprios mecanismos para afirmarem a sua cidadania e sua cultura. O direito à comunicação é um direito humano fundamental. Criar mecanismos para que as populações exerçam esse direito é um dever do Estado, com apoio da sociedade civil. Somente quando tivermos cada brasileiro com plena conciência de seus direitos como cidadão deste país, é que consolidaremos a revolução democrática que o Brasil vive.

Marco Antônio Konopacki.
Coordenador Geral do Soylocoporti.
http://soylocoporti.org.br
amarelo@soylocoporti.org.br

* Tecnologia utilizada: Conexão celular padrão 1X anexada a uma antena CDMA 800Mhz com 17db de ganho. Servidor Linux rodando a distribuição Ubuntu para conexão ppp e Gateway de dados.

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