Relações sul-sul para construção de um mundo multipolar

Por Marco Antônio Konopacki para o curso de Relações Internacionais SRI-PT / FES

A história recente da humanidade, do pós-segunda guerra mundial até 1991, se organizou em torno de dois grandes polos de poder, os Estados Unidos e a União Soviética. Essa sistematização dicotômica determinou nos últimos anos a forma de como as Relações Internacionais se dariam até a queda União Soviética em 1991. Mesmo com a criação das Nações Unidas (ONU), em 1945, a estrutura bipolar de poder não permitiu que os países pudessem se articular em torno de grupos regionais de poder, pois eram atraídos pela tendência bandwagon de se aliar aos líderes hegemônicos. Neste momento, as Nações Unidas não passaram de um instrumento para organizar os Estados para luta contra um inimigo comum situado do outro lado da cortina de ferro, liderados pelos Estados Unidos contra a União Soviética.

Após a queda da União Soviética, o mundo experimentou momentos de uma unipolaridade pela hegemonia total dos Estados Unidos, mas que não se sustentou, pois novos polos de poder passaram a ocupar papel de destaque no cenário internacional, principalmente a União Européia. Seguindo a tendência de construção de poderes regionais, foram articulados novos blocos comerciais com o intuito de fortalecer os mercados regionais, dentre eles, o de maior destaque para nós, o Mercosul. Estes blocos regionais são ferramentas para fortalecimento do poder regional, mas em muitos momentos, durante a implantação do projeto neoliberal (1990-2000) para os países em desenvolvimento, serviram de estrutura de anexação de mercado, devido as posições submissas que os países membros destes blocos assumiam internacionailmente, o que levou a acentuação das diferenças econômicas entre as nações e o aprofundamento das desigualdades sociais compartilhadas por estas nações.

A partir da eleição de novas lideranças na América do Sul, com uma visão soberana sobre seus territórios, começamos a vivenciar diferenças na forma em que as relações internacionais entre esses países passaram a se dar. Os blocos comerciais passaram a ser vistos como forma de integração regional não apenas voltada ao liberalismo econômico inter-fronteiras, mas também como forma de articulação política entre as nações para se constituir como polo de poder alternativo nas discussões no plano internacional mundial. Luis Inácio Lula da Silva, Hugo Chavez e Nestor Kirchner são os principais líderes destas nações que buscam o fortalecimento regional do Mercosul e que se utilizam da articulação política do bloco para pleitear demandas históricas destes países em organismos internacionais como a OMC e a ONU e como está sendo a luta pela redução dos subsídios agrícolas na Rodada de Doha, ainda não concluída.

Estes fenômenos não são só comuns a América do Sul, mas percebemos uma maior articulação dos blocos regionais em diversas regiões do mundo. Isto está caracterizando o surgimento de um novo cenário internacional multipolar que inclusive está contribuindo para o equilíbrio das relações de poder no plano internacional. Segundo a visão realista em Relações Internacional, este fenômeno contribuí para o surgimento de alianças entre os polos de poder, o que num cenário bipolar não é possível, porque cada um dos polos só se preocupa com o outro polo e com suas capacidades, assim como o seu poder de aglutinar novos países (NOGUEIRA & MESSARI, 2005).

O cenário multipolar está permitindo experimentar novas relações entre países que antes não eram possíveis pela restrição bandwagon de aglutinação em torno das potências hegemônicas. Isto oportuniza para que países como o Brasil, estabeleçam relações com outros países, também em desenvolvimento, africanos e asiáticos, especialmente a Índia e a China, com uma lógica integracionista muito mais solidária e não hegemônica. Segundo Kant, essa é o primeiro passo para que as relações entre países se dê de forma justa e pacífica. O presidente Lula, através de seu ministério de relações internacionais, foi o primeiro presidente da era contemporânea do Brasil a buscar relações multipolares, integrando inclusive a África neste processo, e a buscar a construção não hegemônica de suas relações internacionais, exemplificada nos últimos incidentes internacionais com a Bolívia e o Equador. Nestas ocasiões, a postura do governo brasileiro sempre foi de diálogo com estes países, mesmo enquanto a “opinião pública” através dos grandes jornais e revistas brasileiros incitavam, e incitam como no caso Odebrecht com o Equador, a intevervenção econômica nas relações bilaterais e se esta não for exitosa, na intervenção militar. Foi assim no caso da nacionalização dos hidrocarbonetos da Bolívia, em que uma das revistas semanais de maior circulação no país sugeriu o envio imediato de tropas brasileiras para a fronteira. Sem dúvida, a macro-estrutura de poder, latente dos idos da colônia e que guarda na elite brasileira seu maior ranso, vê a liderança regional do Brasil na forma hegemônica e cruel, talvez como forma de reproduzir em nossos irmãos latino-americanos, a mesma lógica exploratória que vivemos em nosso tempo de colônia e que até pouco tempo atrás vivemos com relação aos Estados Unidos.

A busca de uma integração regional e a diversificação das relações internacionais, especialmente com países do “sul”, está lançando uma nova lógica de como os países se organizam e como tratam suas relações econômicas, políticas e culturais. Durante a adaptação das economias para o modelo neoliberal, a cultural a economia e a política sofrem um processo cruel de normatização internacional para consolidar um ambiente mais seguro e estável para os negócios internacionais. Contudo, esse modelo foi inspirado nos conceitos e fundamentos dos países hegemônicos, o que gerou diversos choques nas economias, na cultura e na política periféricas. O olhar para consolidação de relações com países que tem uma história comum, e sofrem das mesmas mazelas econômicas e sociais, nos faz refletir sobre uma outra integração possível e uma outra “normatização” dos fundamentos sociais possível. Um normatização que respeite as diferenças e que seja, acima de tudo, solidária para construção de um ambiente que tenha como centro o bem estar dos povos destas nações e com o comércio internacional a serviço deste, e não como meio para este.

Neste sentido, o Brasil está desempenhando um papel fundamental de lidença para consolidação das relações sul-sul como forma alternativa para desconcetração do poder internacional na criação de novos polos de poder regional. O governo Lula, está utilizando o reconhecimento internancional do Brasil na luta contra a fome, do respeito aos direitos humanos e dos direitos das comunidades tradicionais e da luta pela conservação da Amazônia, para inserir o Brasil de uma vez por todas no protagonismo da política internacional. Como o próprio ministro de relações exteriores, Celso Amorim, afirma quando declara que não é possível que um país como Brasil, com todas as suas riquezas, com o tamanho do seu território e seu povo, tenha tido uma posição subalterna no plano das relações internacionais. O fortalecimento do Mercosul, a ariticulação da UNASUL (União de Nações Sul-Americanas) e do Fórum do IBAS (Índia, Brasil e África do Sul), demonstram a liderança do Brasil na construção de novas formas de integração multipolares, num contexto de nações multi-étnicas, em que a busca do consenso através do dialógo deve ser primordial para o respeito da diversidade e para a integração não hegemônica das nações.

Esse faceta da política externa brasileira também é exercitada na intervenção dentro dos Fóruns Internacionais, como a ONU e a OMC. Dentro da Rodada de Doha, o Brasil foi responsável pela articulação do G-20, que incluía todos os países emergentes que lutam, contra os biolionários subsídios agrícolas dos países desenvolvidos e que no ato da conferência da OMC em Cancún, pretendiam usufruir de sua posição hegemônica para encerrar a discussão em torno deste tema. Foi através do G-20 que as discussões tomaram novo fôlego e as pressões contra os subsídios se intensificaram. Na ONU, o Brasil também é um forte candidato a um assento permanente no Conselho de Segurança, o que consolidaria sua liderança na América do Sul e contribuíria para garantia da nossa própria segurança e soberania na região, visto as riquezas naturais e econômicas que o país e o continente guardam e que até hoje, não puderam ter seus interesses defendidos neste organismo internacional. A acenssão do Brasil como verdadeiro protagonista internacional e líder dos países da América do Sul, torna injustificável a sua ausência no conselho permanente de segurança da ONU.

De fato, a construção de uma nova visão de mundo para nós, nações sempre colocadas a esmo da política internacional, perpassa por uma discussão interna em que só nós mesmos, através da observação de nossa própria realidade, poderemos dizer que caminho seguir e, principalmente, como segui-lo. Estamos vivendo os primeiros benefícios da desconcentração do poder internacional e da multilateralização do comércio internacional, quando os mercados hegemônicos, em especial o estadunidense, desabam com crises financeiras trilhonárias e nós conseguimos manter certa estabilidade frente estes fatos. Contudo, não podemos esquecer que a construção dos alicerces a esta nova visão de mundo das nações do “sul”, deve lançar bases culturais e sociais fortes para que este processo não seja efêmero e restrito aos governos progressistas destes países. Por isso, a disputa social destes ideais deve acontecer a cada dia, através do exemplo e da construção da nossa própria nova história. Só assim, poderemos olhar para semelhetantes vizinhos como irmãos e entramos de mãos dadas pelas portas dos grandes organismos internacionais que, se por um ponto, são reprodutores da lógica hegêmonica de demonstração de poder, por outro, segundo Celso Amorim, “podem ter suas limitações, mas são a via institucional mais adequada para realizar as aspirações de justiça e bem comum nas relações entre os Estados”.

Referências

  1. AMORIM, Celso. Conceitos e estratégias da diplomacia do governo Lula. Revista DEP (Diplomacia Estratégia Política). 2004;

  2. AMORIM, Celso. A diplomacia multilateral do Brasil. Um tributo a Rui Barbosa. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão. Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, 2007;

  3. GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. Desafios Brasileiros na Era dos Gigantes. Contraponto, 2005;

  4. NOGUEIRA, João Pontes; MESSARI, Nizar. Teoria das Relações Internacionais: correntes e debates. Elsevier Editora, 2005.

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